
Os Agentes do Destino (The Adjustment Bureau)
Escolhi este filme, não só por ser uma bela história de amor, mas,
principalmente, pela maneira como aborda uma das questões que mais divide as
pessoas. Mas afinal de contas, existe mesmo essa tal coisa do destino? O Tony
Carreira parece acreditar nisso :)
E, caso exista, seremos então meras marionetas que, durante a nossa existência,
se limitam a passear os corpos aqui na Terra?
Costumo dizer que, para definir o desfecho de determinada situação há, quase
sempre, dois provérbios contraditórios, ora vide: “Quem espera, sempre
alcança”... mas “camarão que dorme, a onda leva.”; “Mais vale prevenir, do que
remediar.”... mas “quem não arrisca, não petisca.”
E fui buscar o exemplo dos provérbios contraditórios, precisamente para
dizer-vos que, também neste caso, não acho que haja uma verdade universal, ou,
pelo menos, uma que se aplique a todos, em todas as
instâncias das suas vidas.
Se pegarmos em dois provérbios contraditórios e os separarmos, colocando-os,
posteriormente, no contexto correcto, ambos irão fazer sentido. Daí dizer-se
que “o contexto é tudo”... apesar de, na “conversa de café” e nos meios de
comunicação em geral, acharem esse tal de contexto, um tanto ou quanto
sobrevalorizado :)
O filme passa-nos uma ideia de que, de facto, o nosso destino já está traçado e
que tudo deverá correr de acordo com um plano traçado previamente, sendo que,
sempre que há desvios a esse plano, os tais agentes do destino intervêm, para
se certificarem que o plano é cumprido à risca. Fica a ideia de que o plano
será o desígnio de Deus e que, os agentes do destino, os anjos.
Ficamos a pensar que o livre-arbítrio é, afinal de contas, uma série de eventos
concertados e previamente definidos, mascarados na forma de ilusão de que
estamos no controlo das nossas vidas, quando, na realidade, somos meras
marionetas a cumprir o plano.
Em traços gerais, penso que é isto :)
Contudo, parece que o par romântico, interpretado por Matt Damon e Emily Blunt,
tinha um plano alternativo :)
Mas já lá vamos...
Penso que todos concordarão que, com o avançar dos anos, a sociedade tem
evoluído, como um todo. Ora, cada indivíduo tem um plano próprio, o seu
desígnio... mas dentro desse plano há, certamente, pontos comuns a planos de
outros indivíduos. E a junção de todos os pontos comuns, entre todos os
indivíduos, representa a mobilização social, representa um plano social, plano
para o qual, todos nós contribuímos um pouco, fazendo a sociedade evoluir.
No entanto, a dita evolução traz, amiúde, uns quantos reveses. Na sede da
evolução e do querer sempre mais, muitas vezes, perde-se o foco daquilo que é
realmente importante, pelo menos, quanto a mim. E este filme retrata, de forma
brilhante, esse aspecto. E considero-o um retrato brilhante, pois resulta de
uma abordagem que é fruto de uma reflexão bastante ponderada, ainda que leve, onde
fica patente que nem mesmo os mais altos desígnios são definitivos e que, cada
um de nós tem, de facto, a obrigação de procurar o melhor caminho para si, pois
o que lhe era destinado, pode ser insuficiente para a sua plenitude, enquanto
ser social e individual.
Aliás, pensem lá bem com os vossos botões e digam-me lá se não é verdade que, a
grande maioria das pessoas, acredita mais facilmente numa notícia negativa, do
que numa positiva? O Mundo está programado para a desgraça, a desgraça vende e
prospera, pois, por incrível que pareça, as pessoas mais facilmente se
relacionam com a desgraça, do que com a felicidade... mas esquecem-se que a
felicidade também não nos cai no colo e que, muitas vezes, até a atingirmos,
temos de travar duras batalhas. E mesmo sem batalhas, também conheço pessoas
que fogem da felicidade, com medo que esta seja a próxima Peste Negra :)
E então, o que inferir que, supostamente, nos está destinado, mais até pela
vertente social? Devemos casar aos “x” anos; Ter filhos aos “y” anos; Trabalhar
até tarde porque isto está mau; Construir uma carreira profissional com
perspectivas de evolução muito bem definidas e delineadas; etc.
E todos, sem excepção, têm uma palavra a dizer sobre o nosso plano, sempre e quando
ousamos desviar-nos do mesmo. Gosto de chamar-lhes os agentes sociais
limitadores :)
É como se, a páginas tantas, tivéssemos passado uma procuração, onde abdicamos
tacitamente dos nossos direitos de escolha, autorizando todo e qualquer um, a
mandar bitaites e a decidir por nós, seja com base nas suas experiências (boas
ou más), seja com base na sabedoria popular, seja com base na cultura, seja com
base na região, etc. Vivemos numa
espécie de liberdade condicional constante, com receio permanente de ir para a
prisão, por algo que façamos fora do plano.
Quando nos anulamos enquanto indivíduos com quereres, vontades, crenças,
sonhos e dons próprios, somos meros actores sociais. Não vivemos, apenas representamos...
limitamo-nos a representar aquilo que esperam de nós, numa longa metragem sem
fim à vista.
Voltando ao filme :) David Norris (que eu saiba, não afiliado com Chuck Norris
:)), um político com uma carreira promissora pela frente, e Elise Sellas, uma
bailarina também com um futuro brilhante na calha, conhecem-se, “por acaso”.
David, tinha acabado de perder as eleições e preparava um discurso, sozinho (ou
assim pensava ele) na casa de banho dos homens, quando Elise o surpreende,
saindo de um dos cubículos. Conversam um pouco, trocam um beijo e, David,
claramente inspirado por aquele evento inesperado, faz um discurso de derrota,
que todos adoraram, pondo-o novamente na mó de cima, com fortes possibilidades
de vitória, caso se candidatasse novamente.
O filme é feito dos encontros e desencontros de ambos, onde os desencontros
eram provocados pelos tais agentes do destino, que tudo fizeram para que estes
não ficassem juntos, pois esse não era o plano maior. Porém, tanto David como
Elise, souberam, na altura que trocaram aquele beijo, que tinham ali algo muito
forte.
E como é que se sabe se estamos perante o/a tal? Se tens de perguntar e/ou
racionalizar, então, muito provavelmente, não estarás.
Como David não aparentava ter dúvidas a esse respeito, não descansou enquanto
não conseguiu encontrar novamente a Elise, para ficar com ela, mesmo após os
agentes do destino lhe terem mostrado que, separados, ambos poderiam ter
carreiras gloriosas (que era também o que a sociedade esperava deles), ao passo
que se ficassem juntos, não... David, pensando que Elise estaria mais
interessada na carreira, decide ser “altruísta” e abdicar de ficarem juntos...
até que não aguentou mais e foi buscá-la, quando esta estava prestes a casar-se
com a “escolha lógica”. Elise, teve então de dar um salto de fé, pois não tinha
ainda visto o que David já tinha.
O arquitecto do plano maior, ao ver a determinação e amor deles, percebeu que
afinal o seu plano estava errado, pois não tinha considerado que eles poderem
vivenciar o amor um do outro, era, precisamente, o melhor plano para os dois.
Afinal, 1 + 1 podem ser 3 :)
Todos os dias, caso não nos protejamos, veremos boicotados os nossos sonhos. E
os agentes limitadores não fazem por mal, fazem-no por estarem descrentes e não
se acharem merecedores de algo melhor do que o plano que lhes traçaram, e assim
se vai perpetuando o ciclo vicioso.
Hoje em dia, criar, educar filhos e amar o nosso parceiro, parece ser um
objectivo de vida pouco ambicioso.
Quantos casais vêem um filme romântico no cinema, acreditam no amor durante 90
minutos (choram e tudo!)... só para a seguir saírem do cinema e dizerem: Pois,
isto é tudo muito bonito, mas é só nos filmes.
Quando somos crianças, é-nos dado a conhecer o universo das princesas e dos
príncipes, muito via animação, onde tudo é lindo e maravilhoso... e nós
acreditamos naquilo com muita fé, certos de que é aquilo que o Futuro nos
reserva.
Mas depois, na altura da pré-adolescência, já muita da ingenuidade se foi, seja
por conta de desgostos amorosos, más experiências, ou por conta de comentários
menos abonatórios por parte de amigos/amigas da onça, que nos fazem crer que
esse mundo idílico não existe.
E lá está, costuma dizer-se que uma mentira, quando dita muitas vezes, se torna
verdade... o que é incorrecto, se o levarmos à letra, mas que faz sentido se o
encararmos como uma força de expressão, caso optemos por ser apenas actores
sociais a desempenhar um papel.
Costuma dizer-se também que, olhos
que não vêem, coração que não sente... Mas será que é mesmo assim, quando
baixamos a guarda?
As pessoas optam por não amar, por não sentir, ficam num estado de dormência, negação,
em que não se deixam afectar. Desta forma, dizem, não saem magoados. Mas haverá
maior mágoa que, às portas da morte, nos apercebermos que a nossa vida foi uma
mentira?
É bom que não percamos a inocência e ausência de filtro, tão características
das crianças, pois enquanto estas não são corrompidas pelos agentes sociais
limitadores, não tenham dúvidas, serão totalmente puras e verdadeiras para com
a vida.
Eu escolho acreditar no Pai Natal, e tu?