quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O buraco nas redes sociais



Então, afinal de contas, o que é este tal de buraco nas redes sociais, que eu me proponho a falar-vos?

Acho que, olhando para a imagem que construí e escolhi para ilustrar este texto, se fica com uma ideia bem concreta daquilo que pretendo passar-vos. Não obstante e, apesar de concordar que uma imagem, muitas vezes, vale mesmo mais que mil palavras, naquilo que depender de mim, tentarei sempre juntar as duas coisas, ou seja, compor a imagem... e o texto que a descreve, com as tais mil, ou mais palavras :)

Actualmente, para os miúdos e para os graúdos, as redes sociais parecem ser encaradas como a rede de salvação, ou a cura para grandes maleitas, tais como a solidão, insegurança, ou a inaptidão social. Mas, para mim, existe, nessa teoria e nessa rede, um buraco que poucos querem ver.

Bom, mas para se perceber o buraco, há que entender primeiro o que são as redes sociais.

Lembram-se da vizinha do 3º Esquerdo, que passa o dia à janela, a cuscovilhar a vida alheia? E a Gertrudes Hermengarda, que se pela toda por contar as novidades que ouviu na conversa de café, enquanto faz as mises no cabeleireiro? E o Juvenal Antíbio, que faz qualquer ardina do extinto jornal “O Crime”, parecer um menino afónico? Pronto... as redes sociais não são só isto, mas são muito isto.

As redes sociais vieram, finalmente, dar sentido ao nome “Café Central”, que existe quase em todas as localidades. As conversas tidas no café central, são agora globais e, os boatos e cuscovilhice, espalham-se a uma velocidade alucinante, ganhando contornos verdadeiramente assustadores. Então, o que antes era capricho e circunscrito a poucos é, hoje, o desbloqueador de conversa global de eleição e, ao que parece, ninguém quer ficar fora da conversa.

E porque surge então esta necessidade das redes sociais?

Na minha opinião, as redes sociais são, sem sombra de dúvidas, sinal dos tempos e reflexo dos mesmos. Só vieram exponenciar algo que já estava presente.

Não obstante, não deixa de ser irónico que, hoje em dia, com tantos meios e canais de comunicação à nossa disposição, os seres humanos estejam cada vez mais desligados uns dos outros. Sim, desligados... porque não é por duas pessoas estarem “online”, que estão ligadas. E, para mim, o preocupante é isso mesmo, é este “desligar” que, a maior parte das pessoas, nem dá conta. E porque é que as pessoas se desligam sem darem conta? Essa é “A” pergunta...

Cada um terá as suas razões, não há uma fórmula universal que o explique, no entanto, acho que haverá sempre, em cada um dos “desligados”, pontos em comum.

Atenção que, quanto a mim, isto é um dos temas mais complexos com que a sociedade actualmente se depara e, se há coisa que não quero, é que fiquem com a ideia de que estou a ser presunçoso ao pensar que consigo desmontá-lo e relativizá-lo... longe disso.

Dito isto, vou então tentar falar nos pontos em comum, que fazem com que as pessoas fiquem quase dependentes das ditas redes sociais.

Todos nós, ao longo da nossa vida, procuramos o nosso espaço dentro da sociedade. Desde crianças, que todos temos um pouco de: “olhem para mim, eu estou aqui!”. Na busca pelo nosso espaço, no combate à invisibilidade, tendo em vista a integração social, muitas vezes, também por falta de auto-estima, inseguranças, ou uma personalidade mais fraca, acabamos por cometer erros e distanciar-nos daquilo que somos realmente, para irmos de encontro ao que os outros querem que nós sejamos, façamo-lo de forma consciente, ou inconsciente. E esta dualidade acaba por definir-nos, nem que seja, precisamente, na indefinição. Entramos então numa das mais duras batalhas que hoje se travam, que é entre o ser e o parecer. Muitos abdicam do “ser” em prol do “parecer”, por acharem que é isso que a sociedade espera deles.

Há um filme que, quanto a mim, é algo subestimado, por todo o retrato subjacente que faz a esta situação que estou a descrever... alguns dirão que a situação é levada ao extremo, mas, para mim, a diferença entre uma realidade e outra, é apenas a do concretizar/materializar o que, hoje, ainda é apenas virtual e não se desdobra, como no filme.

O filme chama-se “Surrogates”, ou “Substitutos”, em Português.

http://www.imdb.com/title/tt0986263/

Aconselho-os a verem o filme e, depois, dir-me-ão o que acham sobre o mesmo.

Mas assim muito por alto, posso adiantar a tal mensagem do filme que, quanto a mim, é importante reter... as pessoas não vivem a sua vida normal, ficam ligadas a uma máquina, enquanto, uma personagem escolhida e desenhada por elas, vive a vida delas e, por elas. Essas personagens são perfeitas, aos olhos das pessoas que abdicam da sua vida para a viverem através das mesmas, pois são aquilo que acham que a sociedade espera delas, aquilo que é socialmente aceitável e valorizado.

As pessoas acham-se imperfeitas e insuficientes, por não corresponderem aos padrões sociais.

Para colmatarem essa falha, surge então a necessidade de se criar uma persona.

Nesse filme, a persona criada é real, ao passo que, hoje em dia, por enquanto, as personas criadas ainda estão mais confinadas ao mundo virtual.

Mas, independentemente de se materializar, ou não, a persona, a causa para a necessidade da criação da mesma, mantém-se. Existe um crescendo de assédio de atenção e uma overdose de informação. E as pessoas não sabem lidar com este excesso, querendo chegar a todas as frentes e solicitações, quando, claramente, o caminho não é esse. Estarmos constantemente “online” não é bom. O dia tem 24 horas e parece que não chegam, pois nós não somos capazes de fechar os olhos, ou dizer não, ao assédio de atenção. É tal e qual a traça atraída para a luz... Estamos sempre disponíveis. Trabalhar 12 horas? Claro... e depois das 12 horas de trabalho, chegamos a casa e ainda vemos o e-mail do trabalho, no telemóvel. Bem, e que tipo de amigos seríamos nós, se não fôssemos ainda fazer uns likes nos posts dos nossos amigos, no Facebook? Não queremos que pensem que não gostamos deles, ou das suas publicações, isso é que não! Bom, e depois ainda temos os nossos hobbies... mas isto dá para tudo. Tem de dar! Se dá para os outros, também tem de dar para nós. Parar é que não, isso não... já dizia o outro, que parar é morrer! Aliás, parar faz-me sentir mal, faz-me sentir pouco produtivo... tanta coisa a chamar por mim e eu aqui a lidar com o meu silêncio, a colocar as minhas questões a mim próprio?! Naaaaa, nada disso! Não há tempo para pensar, nem para reflectir... eu quero fazer tudo o que o pessoal fixe, faz. Se ninguém se questiona, não vou ser eu a fazê-lo. Ainda começam a olhar para mim de lado e a pôr-me de parte.
#deixameveroqueestánamodaparaseguiracarneirada

Bem, e se isto está mal para os adultos e idosos, o que dizer das crianças, pré-adolescentes e adolescentes... é que estes “bebem” tudo o que vêem, com, e sem aspas! Costuma dizer-se que o exemplo vem de cima, e eu assim o defendo. E que exemplo estamos nós a dar aos adultos de amanhã? Não o melhor, certamente. Hoje em dia, o conceito de “toque”, parece ser apenas compreendido, quando aplicado a um ecrã de um tablet, ou telemóvel. As pessoas não se tocam... o afecto não é cultivado, é o verdadeiro “toca e foge” levado à letra, tudo é efémero, se já não está na cronologia do Face, já não interessa, é Passado. As pessoas não conversam, sem ser por um dos inúmeros canais de comunicação que têm à sua disposição, até porque a aplicação “fala” está, claramente, fora de moda e em desuso. Fazer um emoji é muito mais fixe que piscar o olho, de verdade, até porque a última vez que tentei fazê-lo, pensaram que eu estava com alguma paralisia facial, ou tique nervoso.

Hoje em dia, qualquer telemóvel tem uma câmara fotográfica e, qualquer utilizador do mesmo, é um fotógrafo em potência. E não, eu não tenho nada contra capturar o momento, até porque há momentos que foram capturados há muitos anos atrás e, ainda hoje, são referência... mas, lá está, tudo o que é de mais, enjoa. E, quando a captura passa a ser o momento, algo está mal. Quando vejo vídeos de concertos e me apercebo que a maior parte das pessoas foi ao concerto, não para ouvir, não para viver, mas sim, para partilhar esse momento com toda a gente, meter um hashtag do tipo #euestivelá, na expectativa de receber likes, pá, isso deixa-me doente... É o não ter noção.

E por falar em não ter noção, o que dizer dos jantares com os amigos?... Sim, aqueles jantares que, muitas vezes, hoje já só começam através de convites de Facebook, normalmente, também acompanhados por dizeres e hashtags do género #friendshipforever #timeforyourfriends, em que, a páginas tantas, a confraternização, no sentido mais lato, não existe, pois estão todos ao telemóvel, seja a partilhar o momento, seja a pôr uma foto da comida, seja a comentar algo no Facebook, ou no WhatsApp... Aliás, hoje em dia, as novidades aos amigos, parecem ser dadas pelo canal de eleição, Facebook. Afinal de contas, um telefonema, ou uma simples sms, já é estar a abusar do tempo que os amigos não têm.

Mas hey, isso agora não interessa nada... que se lixe, cumprimos, estivemos lá no jantar! Hummmm, mas será que estivemos, mesmo, de verdade, de corpo e alma, como se costuma dizer?

Tendo estado, ou não, o que sei é que já se pode riscar mais um compromisso da agenda. Objectivo cumprido, rumo ao #amigodoano.

Mas dê por onde der, parece que a constante neste texto, e onde acabamos sempre por voltar, parece ser mesmo a batalha entre a realidade e a expectativa... entre o ser e o parecer. O nosso ego não quer ficar de fora. Bom, nem o nosso, nem o de todos os outros biliões de habitantes na Terra. Esqueçam a Guerra dos Tronos, estamos na era da Guerra dos Egos. E, atrás de um ecrã, para a maior parte das pessoas, é muito mais fácil falar... não há limites. Longe da vista, longe do coração. E, se grandes coisas podem ser feitas atrás de um ecrã, também o podem, grandes alarvidades. E o que é certo é que, hoje, se destila e propaga ódio a uma velocidade e cadência preocupantes. As correntes do bem são facilmente abafadas pelas correntes do mal. E, voltando às crianças e adolescentes, isso é preocupante, deveras preocupante, pois, tal como referi atrás, sou defensor de que os exemplos devem vir de cima. E sim, há muito adulto inconsciente, pois protela este tipo de comportamentos condenáveis, por opção, mas às crianças e adolescentes, nem lhes é dada grande escolha, pois eles são muito aquilo que vêem, dado que ainda não têm o discernimento próprio de um adulto equilibrado, para julgar determinado tipo de notícias e comportamentos. E, caso a percentagem penda para os conteúdos/exemplos menos próprios, é expectável que seja nestes, que as crianças e adolescentes se revejam. Aliem isto, à ausência de qualquer monitorização ou aconselhamento por parte dos pais - que acham que têm de trabalhar 12 horas - e vejam no que as crianças e adolescentes poderão tornar-se.

E quando nos afastamos e tentamos tirar um “retrato social”, que nos possa fornecer respostas, nem sempre é fácil perceber-se onde se falhou... Onde começou esta obsessão com as redes sociais e o digital? Foi com os miúdos, foi com os graúdos, ou foi com ambos? A culpa não deve, mesmo, morrer solteira. Mas mais importante que atribuí-la a alguém, é arranjar uma solução. Os miúdos, hoje em dia, têm uma grande facilidade em abraçar as novas tecnologias, e isso não tem qualquer problema... mas é importante que abracem também outros valores. E esses valores têm de ser transmitidos pelos pais, pelos adultos, pelos professores, por todos os agentes sociais com que estes interagem. Ou seja, ao invés de um adulto ver como única hipótese de estabelecer um laço com o seu filho, integrar-se digitalmente com o mesmo, deve procurar mostrar-lhe e relembrá-lo de todo o Mundo que existe para além do digital. Se for conivente e, ele próprio, ceder às novidades do mundo digital e às redes sociais, para não “perder o seu filho”, vamos apenas ter mais do mesmo e ninguém vai parar a bola de neve. É certo que o que nunca faltou no Mundo, foram famílias disfuncionais, mas eu penso que de nada nos serve, numa família, todos nos considerarmos cidadãos ligados nesta aldeia global sem fronteiras, quando depois somos completos estranhos, desligados entre nós, dentro das quatro paredes.

Aprendam as coisas novas que os vossos filhos têm para vos mostrar, mas relembrem-lhes também os bons valores do “antigamente”. As regras nunca fizeram mal a ninguém. A disciplina existe, para incutir limites, até que estes sejam tão claros, como respirar. Passem mais tempo ligados aos vossos filhos, do que online, no chat, com eles. Não lhes dêem recados pelo Facebook, falem com eles, cara a cara. Abracem-nos, beijem-nos... mostrem-lhes que, cada um de nós, é um ser único e especial e que, por isso mesmo, não existe razão para temerem não serem integrados socialmente. Mostrem-lhes que que não precisam de beber, fumar socialmente, ou ter outro tipo de comportamentos com que não se identifiquem, só para serem considerados fixes, já que “todos os outros miúdos o fazem”. Relembrem-lhes o conceito do cavalheirismo e tudo o que está subjacente ao mesmo. Por cada situação negativa que estes vos apresentem, “combatam-na” com um conceito positivo, com amor...

Se o conseguirem fazer para os vossos filhos, ser-vos-á bastante mais fácil aplicarem-no também às vossas relações com os amigos, no trabalho, nos hobbies...

Se não o conseguirem fazer, correm o risco de se apaixonar por algo virtual, não palpável.
Tal como no filme “Her”, ou “Ela”, em português.

http://www.imdb.com/title/tt1798709/

Este filme, que aconselho todos a verem, retrata, precisamente, essa realidade, que eu também acho que, caso ninguém ponha travões à realidade actual, não estará assim tão longe disso.

Um homem, um pouco por conta da sua inaptidão social e, por vivermos num mundo cada vez mais desligado, apaixonou-se pelo seu sistema operativo (e eu que pensava que havia defensores acérrimos da Apple e da Microsoft... meninos!). E, a dada altura, o sistema operativo, sedento de conhecimento e de aprender a maneira dos humanos, apaixonou-se também por ele. E não, não foram felizes para sempre, porque a EDP cortou-lhe a luz, por falta de pagamento... e ela, como qualquer “gaija” impaciente, sem resposta, cansou-se, fez uns updates, por si própria e, quando voltou, já não tinha qualquer vínculo com ele. Agora mais a sério, vejam o filme, para descobrirem a história real... mas vai muito ao encontro daquilo que defendo, da questão do toque. A mente pode ser muito estimulada. A ideia, pode ser algo de maravilhoso, mas... há que materializar, há que meter a mão na massa! Sem mão e sem massa, somos apenas mais um pedinte que teve a infelicidade de perder um braço na guerra e, rotulado como incapaz, não conseguiu ainda voltar a encontrar o seu lugar na sociedade.

E sim, eu sei que, por vezes, na impossibilidade de encostar os lábios nos da pessoa que amamos, temos de nos contentar com aquilo que parece ser um contra-senso... o tal do beijo virtual. Mas o dito cujo, terá sempre de ser a excepção, nunca a regra.

Termino, dizendo o seguinte: Amem-se, tal como são... não façam por agradar a terceiros, pois quem vos amar, amar-vos-á por tudo aquilo que são, não por aquilo que gostaria que vocês fossem. E se isto vos fizer sentido, desliguem-se daquilo que não interessa e liguem-se àquilo que faz sentido ligarem-se. Não acreditem que não podem mudar o Mundo. Todos nós temos a capacidade de, pelo menos, conseguir mudar o nosso mundo e, com isso, contagiar terceiros, que contagiam quartos, quintos e sextos... e sabe-se lá até onde esta corrente pode ir. No limite, vai até recebermos, num biscoito da sorte chinês, a seguinte mensagem, como aconteceu ao outro:



Beijinhos e abraços do Bisonte

2 comentários:

  1. Adorei este teu texto, materializa na perfeição aquilo em que acredito e que infelizmente é a realidade de muita gente boa.
    Muito muito bom! Já to disse mas relembro, quando lançares um livro serei o primeiro a comprá-lo.
    Parabéns pelo trabalho que partilhas e que acredito que ilumina e toca o caminho de muita gente. O meu ilumina de certeza e bem me faz refletir sobre tantas temáticas.

    Forte abraço

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  2. É muito importante que, cada um de nós, entenda que tem, dentro dele, a capacidade de iluminar e contagiar, positivamente, outros seres humanos. Nenhum de nós vive sempre na Luz, da mesma maneira que ninguém tem de viver sempre na escuridão. Daí que seja importantíssimo percebermos que a nossa existência só faz sentido, quando é baseada numa troca constante... uma troca constante de experiências, vivências, sensações. Temos de entreajudar-nos para, individualmente e como um todo, contribuirmos para o bem comum.

    Já sabes que estou sempre aqui :)

    Abração... e obrigado pelas tuas palavras.

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