quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

As 50 sombras do terrorismo


As 50 sombras do terrorismo

Segundo a wikipédia, esta é a definição resumida de terrorismo, apesar de não haver uma definição única, aceite em todo o Mundo:

“Terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica,1 através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, terror, e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo, antes, o resto da população do território. É utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar seus objetivos, como organizações políticas de esquerda e direita, grupos separatistas e até por governos no poder.2

Já o ataque ao jornal Charlie Hebdo, parece ter sido unanimemente catalogado pelas mais variadas fontes, como um acto de terrorismo, exceptuando na óptica de quem o perpetrou, claro.

Sim, como é lógico, lamento imenso o que aconteceu, naquele dia, em Paris. E sim, condeno-o veemente. Contudo, sou-vos sincero, inquietou-me um pouco a cobertura mediática dada ao mesmo, bem como a reacção de grande parte da sociedade a este acto.
De um momento para o outro, não só Charlie Hebdo estava na língua do Mundo, como todos eram Charlie. Gerou-se uma onda mundial de solidariedade contra o ataque à liberdade de expressão.

E por que razão fiquei eu inquieto por esta causa nobre? Simples… pela ausência de critério de grande parte da sociedade e da comunicação social.

E é aqui que começam as ditas sombras do terrorismo, dado que o mesmo se manifesta nas mais variadas formas.

Dia 10 de Janeiro, ou seja, três dias após o ataque ao jornal Charlie Hebdo, uma menina nigeriana a quem vestiram um colete com explosivos e que, ao que tudo indica, não teria mais de 10 anos de idade foi, literalmente, explodida num mercado, tendo morto pelo menos 16 pessoas e ferido mais de 20. Isto após já terem sido assassinadas cerca de 2.000 pessoas, durante ataques em Baga, Nigé
ria, nos dias anteriores.

As perguntas que vos faço são as seguintes: Que liberdade de expressão terá tido esta criança, ou as restantes pessoas que foram assassinadas sem que ninguém tivesse feito nada para o impedir? Por que razão não terão os diversos canais de comunicação dado o devido destaque a esta notícia, à semelhança do que fizeram aquando do ataque ao jornal Charlie Hebdo?
Penso que não me enganarei muito se disser que a resposta de grande parte da sociedade é a seguinte: Ah, mas isso foi em África, lá é “normal”, não há nada que possamos fazer… já o ataque ao jornal Charlie Hebdo foi feito numa sociedade evoluída, onde esse tipo de ataques não deve ocorrer.

É esta definição de normalidade que me assusta. Preocupa-me a deterioração dos valores e ideais à medida que aumentam os quilómetros de distância que nos apartam fisicamente dos problemas. Parece que a internet e os meios de comunicação tornam o Mundo global, mas que há sítios mais globais que outros :)

Eu tenho de dizer-vos que a mim me choca mais o tipo de ataques ocorridos na Nigéria, do que o ataque ao jornal Charlie Hebdo. E porquê? Pela simples razão de não compreender como é que em matéria de atropelo aos direitos humanos, ainda hoje, a sociedade e quem a governa se comportam como um camião sem travões… tendo ainda a audácia de poder escolher que atropelos devem ser revelados.

Falou-se tanto em liberdade de expressão, quando existem “n” pessoas que não têm sequer acesso à liberdade, no seu sentido mais primário. Há uma expressão que costuma utilizar-se, que diz que a nossa liberdade acaba onde começa a do outro e, apesar de eu concordar com o ideal que a sustenta, sei que o problema reside precisamente na ideia que cada um faz a respeito daquilo que são o início e fim da sua liberdade.
O que deveria ser então uma linha bem demarcada, assemelha-se mais a uma onda sinusoidal, cujas variáveis são moldadas por forma a encaixar na vontade do freguês. Ainda assim, se houvesse tolerância e respeito para com os ideais, religiões, preferências, ou crenças contrárias às nossas, iam existir apenas divergências de opinião e/ou postura, não actos hediondos cometidos em nome de interesses mais ou menos obscuros. Já não existindo respeito, tolerância e o tal demarcar da linha, há liberdade para cometer actos terroristas.
Como tal, se calhar a pergunta que deveria colocar-se seria: Onde acaba então a liberdade e começa o terrorismo? Sim, sei que à primeira vista pode parecer uma pergunta extremista, mas vou tentar mostrar-vos a razão pela qual acho premente fazê-la.

No nosso Mundo inóspito, um hindu extremista podia cometer um atentado bombista num Burger King… estaria a matar em nome da vaca.
Não devia haver mortes por conta de desaguisados no trânsito, mas há…
Ou seja, por mais tresloucado que nos possa parecer um atentado, ou evento isolado, existe sempre uma razão por detrás do mesmo, ainda que esta, para nós, seja o maior absurdo e de racional nada tenha. E, nestes moldes, é uma falácia pensar que podíamos ter feito algo para o prevenir, pois, no momento em que este ocorre, encontramo-nos em dissonância absoluta com quem comete a loucura.

Quem matou os jornalistas e restantes pessoas durante o ataque ao jornal Charlie Hebdo, alegou que o fez em nome do profeta.

A organização fundamentalista islâmica Boko Haram, mata para impor a lei Sharia no norte da Nigéria.

Não faltam casos onde companhias farmacêuticas tenham sido condenadas, seja por fraude, seja por ocultarem efeitos secundários dos seus medicamentos, seja por incentivos dados a médicos para a prescrição dos seus produtos, seja por marketing ilegal, seja por destruição de documentos… matam em nome do dinheiro, pela sua saúde :)

E que tal os escândalos e jogos internacionais da bolsa que, como sabem, têm repercussões no mundo inteiro, dada a possibilidade que têm de manietar todos os mercados? Quantos terão morrido, directa e indirectamente, vítimas do mercado financeiro?

Na China, em nome do planeamento familiar, estima-se que se terão impedido 200 milhões de nascimentos entre 1979 e 2009. Um estudo realizado na própria China, estima ainda que cerca de 76% da população concorda com a medida.
Crê-se ainda que, num ano, entre China e Índia, se matem mais crianças do sexo feminino, do que aquelas que nascem nos EUA. Sendo que na China o fazem em nome do tal planeamento familiar e, na Índia, mais por razões culturais.

Estima-se que, desde 1990 até os dias de hoje, na sequência de ataques realizados a escolas, jardins-de-infância e universidades nos EUA, tenham sido mortas cerca de 286 pessoas, e feridas outras 364. Entre algumas das razões apresentadas para o cometimento destes actos, surge o bullying e a violência nos filmes e vídeojogos.

Estima-se que cerca de 300.000 crianças tenham sido usadas como soldados em guerras civis na Libéria e Serra Leoa. Quantas terão morrido e sido forçadas a matar em nome dos diamantes?

Em Angola, cerca de 17 crianças em cada 100, não chegam a completar os 5 anos de idade. Isto enquanto a fortuna combinada de José Eduardo dos Santos e da sua querida filha, deverá ultrapassar os 20 mil milhões de dólares, colocando-a no patamar da das 30 pessoas mais ricas do Mundo. Sim, claro que eles são pessoas sérias e foi fortuna feita legitimamente. Foram abençoados com o dom dos negócios :) Tal como é verdade que nada mais poderiam fazer pelo seu povo, povo esse que vê 67% dos seus a viver com menos de 2 dólares por dia.

Ainda em 2013, uma mulher no Paquistão foi apedrejada até à morte pelo crime de… ter um telemóvel! E sim, ainda hoje, nestes países: Emirados Árabes Unidos; Irão; Iraque; Qatar; Mauritânia; Arábia Saudita; Somália; Sudão; Iémen; Nigéria do Norte; Aceh, na Indonésia e Brunei, no Paquistão, é permitido matar alguém por apedrejamento.

Podia ainda falar no tráfico de humanos, onde crianças e adultos são transformados em escravos sexuais, ou laborais, sob ameaça directa à sua vida, ou à de terceiros que lhes são queridos.

Ou na força que os grandes cartéis de droga exercem, com a conivência paga de quem podia intervir e fecha os olhos.

Ou em toda a indústria bélica e respectivo comércio internacional de armas, lícito e ilícito, financiado com dinheiro sujo proveniente de fontes duvidosas, cuja existência é justificada em nome de uma possível guerra que poucos acham necessária.

E podia continuar aqui a dar exemplos, mas acho que já perceberam onde queria chegar. Com estes exemplos diversos, penso que já entenderam o porquê da dificuldade de traçar o limite da tal linha, bem como algumas das razões para a sua forma sinusoidal.

Quando algo como o cumprimento dos artigos constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos é opcional, penso que a sua existência deixa de fazer sentido. Ou então, há que actualizá-la, dando-lhe um novo nome… assim de repente, lembrei-me de algo como: Declaração Universal dos Interesses Humanos. Parece-me mais adequada.

Enquanto a sociedade, através do seu povo, não se focar em resolver alguns dos problemas gravíssimos que enumerei, ao invés de estar sempre preocupada em achar o bode expiatório do momento, podem acreditar que vão continuar a morrer Charlies, Zés, Joões, Adolfs… vai haver cada vez mais extremistas a quererem provar o seu ponto de vista. Vai haver cada vez menos razão. Vai haver cada vez menos transparência.

Chamo ainda à atenção para a falsa segurança que muitas vezes se compra nestes momentos… diz que é vendida a troco da tal liberdade ;)

E sim, eu sei que as sombras podem ser assustadoras, mas também elas se tornam mais claras e nítidas sobre a luz correcta. Então… iluminemos para eliminar ;)

Reflictam.

Beijinhos e abraços do vosso Bisonte :)